“Low/no-carb” SIM ou NÃO?
Como vai caro leitor?
Toda a gente sabe que “fazer dieta” sem supervisão de um profissional tem os seus riscos. Especialmente quando se levam alguns conceitos científicos ao extremo. É o caso das dietas com restrição de hidratos de carbono “low-carb”.
História da abordagem "low-carb"
A abordagem nutricional "low-carb" já é conhecida desde os anos 60. O seu primeiro “inventor” foi um médico cardiologista americano de seu nome Robert Atkins que mais tarde, em 1972, publicou o livro “A Dieta Revolucionária do Dr. Atkins”, revista em 1992 como “A Nova Dieta Revolucionária do Dr. Atkins”. Esta foi de facto uma revolução para a ciência, no sentido em que propunha um aumento da ingestão das proteínas e gorduras e um corte radical nos hidratos de carbono (amidos e açúcares). A controvérsia tem sido enorme até aos dias de hoje. Depois disso, outras “dietas” surgiram como a “dieta de Hollywood” – Dieta de South Beach – ou mais recentemente a “dieta das princesas” – Dieta Dukan, todas com base no mesmo conceito, mas em diferentes proporções.
Definições segundo o grau de restrição
No que é que estas variam estas dietas? No contributo dos hidratos de carbono para o valor energético total:
- Dieta com restrição glicídica “Reduced-carbohydrate diet”: entre 130 a 160g de glícidos por dia, mais de 45% VET
- Dieta hipoglicídica moderada “Low-carbohydrate diet”: entre 50 a130 g de glícidos por dia
- Dieta hipoglícidica severa “very low-carbohydrate ketogenic (VLCK) diet”: menos de 50 g de glícidos por dia (cetose)
Em termos metabólicos esta abordagem centra-se no conhecimento de que a glicose (açúcar) é o principal “combustível” do nosso organismo. Ou seja, se fossemos uma máquina, funcionávamos a açúcar. A gordura é apenas um combustível alternativo. Então, se queremos gastar este segundo combustível que está reservado nas nossas células temos de literalmente “cortar” com o combustível principal.
Em compensação, há um aumento dos alimentos ricos em proteína. Este é um nutriente nobre, ou seja, o nosso corpo não usa preferencialmente a proteína para produzir energia ou formar gordura. Isto porque as proteínas têm uma função construtora, elas são “os tijolos” do nosso organismo e por isso são poupadas das vias metabólicas energéticas.
Comparação de várias abordagens nutricionais em termos de eficácia para emagrecimento no artigo
Abordagens nutricionais para emagrecimento – parte 2
De "Low-carb" a "No-Carb"
Sim, uma restrição controlada de hidratos de carbono é eficaz e estimula a degradação de gordura! Contudo, só há vantagem quando a restrição é ADAPTADA a cada pessoa.
Como é habitual no ser humano, se resulta então porque não restringir ainda mais?!
São comuns as restrições auto-impostas (sem aconselhamento profissional), que ultrapassaram o “low-carb”, passando a “no-carb”!
Atualmente sabe-se que a restrição não deve ser igual nem de pessoa para pessoa, nem mesmo para o mesmo indivíduo, por exemplo em dias de treino, de turnos noturnos, durante a fase pré-menstrual, etc.
O que aconteceu nos últimos anos, com o aumento da (des)informação, com os exemplos da “net”, com algumas dietas comerciais que querem resultados rápidos, ou seja, com o “aproveitamento comercial” destes conceito: TODOS PASSÁMOS A SER “UM POUCO” NUTRICIONISTAS, A SER MASTERS EM DIETAS, A SABER TUDO PORQUE JÁ SE FEZ TODAS AS DIETAS.
RESULTADO: restrições crónicas, desadequadas, ineficazes e PERIGOSAS
- Grávidas e aleitantes
- Crianças, jovens e idosos
- Polimedicados
- Desportistas
- Diabéticos
- Doentes cardíacos, hepáticos e renais
Vamos então rever quais os principais perigos relacionados com a restrição crónica de hidratos de carbono:
Os primeiros sintomas associados a uma restrição de hidratos de carbono são:
- Dor de cabeça
- Sonolência diurna e insónia noturna
- Fraqueza, falta de energia
- Prisão de ventre Ou diarreia
- Dificuldade em respirar ou cansaço fácil
- Irritabilidade e flutuações de humor
Estes não são necessariamente sinais de que a sua saúde está em risco, mas sim que o seu corpo não está adaptado à restrição. A boa notícia é que (com uns pequenos ajustes no plano) o nosso corpo readapta-se facilmente, passando a oxidar menos açúcar e mais gordura (é este o objetivo não é?)! Estes ajustes devem ser realizados pelo nutricionista, tendo em conta o tipo e grau dos sintomas manifestados.
Todos beneficiamos de uma ingestão controlada de hidratos de carbono de “boa qualidade”, em especial, pacientes com:
- Excesso de peso ou obesidade
- Sedentários
- Epilépsia
- Sindrome do ovário poliquístico e endometriose
- Diabetes tipo 1 ou 2
- Doenças neurodegenerativas como Parkinson ou Alzheimer
- Doenças cardiovasculares
- Fígado gordo
- Alguns tipos de neoplasias
MAS SEMPRE Vigiados por um Nutricionista.
7 Riscos da Restrição crónica de Hidratos de Carbono
Quando levadas ao extremo, as dietas “low/no-carb” têm um grande reforço de proteínas (50% ou mais do VET). Como já dissemos, até certo ponto e dependendo da saúde de cada um, as proteínas são um nutriente nobre, bem metabolizado quando em excesso.
Contudo, as proteínas não “estão sozinhas” nos alimentos. Normalmente, são proteínas animais (pois as vegetais como os feijões se associam a hidratos de carbono) e portanto com elas estão gorduras e colesterol, minerais e vitaminas específicos como ferro, sódio, zinco, fósforo, vitaminas B6 e B12. Portanto, outras essenciais faltam nesta linha, além de que um maior aporte destas inibe ou compete pela absorção de outras, como é o caso da interação zinco-cobre.
Nestas dietas levadas ao extremo, o consumo de proteínas tem de ser fracionado pelo dia levando, por exemplo, a que o pequeno almoço seja “uma conserva de atum com ovos”. Seria capaz?
Portanto os principais riscos do aumento do consumo de alimentos ricos em proteína são:
- Aumento concomitante da ingestão de gorduras e colesterol
- “Pedra” no rim
- Redução de alimentos vegetais, ricos em fibra, minerais e vitaminas antioxidantes
- Prisão de ventre crónica
- Hiperinsulinismo
- Osteoporose
- Problemas renais e hepáticos
- Aumento da produção de ureia, creatinina e de ácido úrico (substâncias ácidas)
Por outro lado, com vista à redução máxima do aporte de hidratos de carbono, restringem-se grupos alimentares tão importantes como frutas e vegetais! Assim, torna-se impossível obter as doses diárias recomendadas de micronutrientes essenciais, de antioxidantes e de fibra. Portanto, é de esperar que mais tarde ou mais cedo haja consequências…
Sugerimos a leitura de Diversificar é essencial!
Talvez seja a consequência mais comum de uma restrição continuada de hidratos de carbono. Isto porque a glicose (açúcar) é essencial à formação de T3, a forma ativa da hormona da tiróide. Normalmente, este hipotiroidismo secundário é reversível com a adequação do consumo de glícidos, de acordo com a necessidade do paciente. Porém, até esse ponto, ficará sujeito aos sintomas mais comuns do hipotiroidismo como dificuldade em emagrecer, facilidade em engordar, pele/cabelo/unhas fracos, infertilidade, apatia, baixa libido, retenção de líquidos, falta de energia...
Saiba mais em O que é o Hipotiroidismo?
Além da principal hormona da tiróide, a restrição continuada e inadequada de hidratos de carbono conduz a um desequilíbrio hormonal global:
- Menor produção de hormonas da tiróide (T3)
- Menor produção de leptina (hormona que informa o cérebro de que esteve a comer e está saciado)
- Menor produção de insulina (importante sinalizador para as hormonas sexuais como a testosterona e estrogenos, levando a infertilidade e diminuição da líbido)
- Maior produção de cortisol (para subir os níveis de açúcar. Porém a longo prazo, o metabolismo torna-se menos sensível a esta hormona do “stress”, com todo o impacto negativo que daqui decorre.
Sugerimos Stress & Necessidade de “doces”)
A glicose estimula a produção e captação de serotonina no cérebro! É por isso que comer chocolate nos faz (momentaneamente) felizes 😉 !
Lembramos que a serotonina é a hormona do relaxamento, serenidade, felicidade e do sono tranquilo.
Outro aspeto negativo em relação à dieta “low/no-carb” e serotonina, é que o reforço das proteinas faz com que haja mais competição pela absorção e metabolização do triptofano, o principal aminoácido percursor desta hormona!
Na pré-menstruação, a captação da serotonina no cérebro já está diminuída pelo aumento da dopamina (efeito excitatório responsável pela irritabilidade), imagine-se então com TPM e numa dieta no-carb???
A insulina é a hormona responsável pela absorção do açúcar do sangue para a célula. Como já vimos, devido ao aumento do consumo de proteína e ao défice de açúcar circulante, o nosso organismo tenta adaptar-se, fazendo com que as células sejam menos sensíveis à insulina e assim manter a glicémia mais estável. Até aqui tudo OK, já que o nosso corpo está apenas a defender-se.
O problema dos picos de insulina causados pelas dietas “low/no-carb” passa a existir sempre que se “quebra a dieta”, ou seja, engorda com mais facilidade, tem dificuldade em gastar gordura, faz retenção de líquidos, sente enfartamento e desencadeia toda a cascata inflamatória… Então mais vale “não quebrar a dieta para a vida” ou evitar a “no-carb“?
Devido a todo este padrão hormonal e à necessidade de manter um nível de açúcar estável no sangue, é normal que o organismo ative todos os sinalizadores de fome! Para o fazer literalmente comer e recuperar os níveis habituais de glicose.
Mesmo que “resista” a esta necessidade fisiológica de repor açúcar, é provável que desenvolva algum tipo de “compulsão”, sentimentos de culpa/ fracasso, ou seja, uma relação pouco saudável com a comida.
Um dos argumentos mais apontados pelos defensores do “low/no-carb” é que estas são apenas estratégias temporárias para emagrecer rápido. Porém, depois do equilíbrio hormonal e mesmo da relação psicológica com a comida estarem em causa, será que há possibilidade de manutenção dos resultados?
Como explicámos no nosso artigo Por que não deve “cortar” nos hidratos de carbono os nutrientes não são todos iguais em termos calóricos. Os hidratos de carbono são o nosso combustível preferido. Contudo, para oxidar os açucares é preciso bastante ÁGUA!
Assim, com dietas “low/no-carb” conseguem-se grandes e rápidas perdas de peso iniciais! Associadas ao gasto de gordura e à diminuição da água corporal! Este impulso é altamente motivador para o paciente continuar a seguir a dieta, não só pelo “desinchaço” sentido, como pelo número na balança!
A má notícia é que essa água volta rapidamente assim que “quebra a dieta” e pode “fazer falta” ao equilíbrio eletrolítico do organismo.
Quando a restrição é grande e crónica, um dos órgãos em perigo com esta desidratação é o coração, por risco de paragem cardíaca. Ainda assim, sintomas mais comuns, como cansaço, astenia (fraqueza muscular), prostração, caimbras são facilmente reversíveis.
Imagine agora quando além da dieta “low/no-carb” ainda toma produtos drenantes/diuréticos?…
Não apenas, mas também…
Está motivado pela sua dieta “low/no-carb“, perdeu peso rapidamente, sente-se mais leve, menos inchado, gosta de ver o novo número na balança, investiu, resistiu a tanta coisa, ainda por cima sente-se inchado e engorda com facilidade quando “sai da dieta”. RESULTADO: O melhor é ficar em casa = Isolamento social.
Alerta! Alerta! Alerta! Já não basta os níveis de serotonina estarem mais baixos, sentir-se mais triste e cansado, ainda vai abdicar de estar com as pessoas que gosta? Até quando vai aguentar isso? E a sua família? Até quando vai deixar de comer com eles à mesa? Que exemplo está a dar aos seus filhos???
Em conclusão...
Diga NÃO às dietas restritivas “low/no-carb“, mesmo quando sugeridas por profissionais. Sobretudo NUNCA as faça sozinho e por muito tempo. Agora já sabe que nem vale a pena começar, pois pelo que “tem de passar”, o reganho do peso é quase 100% garantido.
Lembre-se: Depressa e bem não há quem.
Não ponha em causa a sua saúde física e emocional pelo número que vê na balança.
Opte por abordagens nutricionais moderadas, de mudança de todo o estilo de vida e, ainda assim (de preferência) acompanhadas por um nutricionista. Não vale a pena começar, se sente que não pode manter essas estratégias a longo prazo.
Não hesite em pedir ajuda, mas sobretudo, não opte pelo “caminho mais fácil”. Tenha sentido crítico. “Escute” o seu corpo.
No Diário de uma Dietista fazemos justamente isso: Nutrição personalizada, enquadrada numa mudança comportamental de todo o estilo de vida.
Valorize a Saúde, é o nosso maior Bem.