COM ou SEM Glúten?

Como vai caro leitor? O tema hoje é polémico e incendeia grupos de redes sociais!
Vamos falar sobre GLÚTEN!

O cultivo de cereais e grãos acompanha a evolução humana desde o desenvolvimento da agricultura há cerca de 9 mil anos. Desde então, a sua produção tem-se expandido estimando-se que, atualmente, forneça 50% da ingestão calórica da população humana! 

Podemos dizer que o consumo de cereais não é “novo” para os seres humanos no que toca ao seu desenvolvimento, mas em termos evolutivos é apenas “um grão de areia” no total de tempo decorrido desde o aparecimento dos primeiros homens. Veja no seguinte gráfico esta representação. 

Assim sendo, que impacto a dependência dos cereais teve no nosso código genético? Desde há 9000 anos, NENHUM! Isto quer dizer apenas uma coisa: o ser humano não está geneticamente preparado para comer TANTOS cereais.

Quando juntamos a esta “equação” a agricultura em massa, com seus pesticidas, manipulação genética, hormonas e ainda a crescente industrialização, por forma a que já não se coma alimentos, mas sim produtos alimentares… compreende-se o porquê de tantos sintomas e mesmo doenças associadas à alimentação.

Afinal "saudável" é com ou sem Glúten?

Vamos saber primeiro o que é o Glúten!

Glúten - a proteína dos cereais

“Ai que afinal o glúten é uma proteína e eu pensava que os hidratos de carbono é que faziam mal!”

Para conhecer o glúten é necessário conhecer o grão de cereal:

A casca ou pericarpo destina-se à obtenção de farelo, sendo muito rico em fibras e micronutrientes

Por sua vez é no endosperma, sobretudo rico em hidratos de carbono (amido) e proteínas, que encontramos o glúten. Estas proteínas podem ser solúveis em água como a albumina e as globulinas, ou insolúveis genericamente chamadas de “glúten”.

O glúten é uma proteína grande, muito elástica, usada justamente para conferir elasticidade a massas, pães, bolos… Portanto, um aditivo amplamente usado em confeitaria e pastelaria! Não é por acaso que os produtos sem glúten são conhecidos por se desfazerem com facilidade, na ausência de outros agentes ligantes. Do ponto de vista nutricional é de difícil digestão e de baixo valor biológico (não contém todos os aminoácidos essenciais). 

A  gliadina é a principal  fração tóxica para doentes celíacos e indivíduos alérgicos.  Para os “sensíveis”, pode ser ela ou outros componentes dos cereais que falaremos adiante. 

Mas porque é tão tóxica a gliadina?

Por uma razão simples: o corpo humano não tem enzimas para digerir/ destruir as ligações entre todos os aminoácidos da gliadina, do que resultam frações mais pequenas de proteínas(péptidos), mas ainda assim grandes demais para serem absorvidas pelo nosso intestino. 

A mucosa do intestino é como uma rede muito fina, preparada apenas para deixar passar partículas pequenas como os aminoácidos (proteínas totalmente digeridas). Quando acontece a digestão incompleta das proteínas, formando estes péptidos, há agressão da mucosa, criando “buracos” neste filtro e assim vários problemas:

  1. Abre espaço para outros agentes e substâncias passarem a barreira intestinal, como frações de bactérias
  2. Estimula e põe em alerta o sistema imunitário, o que causa inflamação do intestino
  3. De forma crónica este estado de alerta imunitário pode “acordar” ou agravar doenças autoimunes
  4. Alterando a permeabilidade intestinal interfere na absorção de macronutrientes, vitaminas e minerais
  5. E ainda todo este estado altera a composição da flora intestinal!)

A estrutura do glúten presente no trigo é muito similar às proteínas do centeio (secalina) e da cevada (hordeína) e, portanto, o termo “glúten” é usado para referir coletivamente este grupo de proteínas dos cereais.  A sua “agressividade” depende da sua composição e como esta não é igual em todos os cereais, eles são tolerados de forma diferente: enquanto o trigo, o centeio e a cevada têm de ser completamente afastados da alimentação do celíaco, outros cereais como o milho e o arroz são inofensivos.

No caso da aveia, a sua proteína é a avenina, não contém glúten no seu estado biológico. Ainda assim, pelo cultivo, colheita e transformação há contaminação com cereais com glúten, pelo que deve optar por aveia biológica e com a certificação/ selo “sem glúten” se é celíaco ou alérgico ao trigo.

Condições de saúde ligadas ao consumo de trigo

Atualmente são 3 as condições de saúde ligadas ao consumo de trigo, cientificamente estabelecidas:

  1. Doença Celíaca
  2. Alergia ao Trigo
  3. Sensibilidade ao Glúten Não-Celíaca (NCGS)

  Porém, estima-se que estas 3 condições tenham uma prevalência de apenas 5% na população mundial, não estando necessariamente associadas ao glúten! As estatísticas mais recentes mostram que nos EUA já quase 20% da população faz uma alimentação sem glúten e que, no geral, o glúten é visto como algo prejudicial à saúde e a evitar, mesmo por pessoas sem qualquer sintoma ou condição clínica!

gluten
1. Doença Celíaca

It is an autoimmune disease that occurs in individuals with a genetic predisposition caused by permanent gluten sensitivity. The ingestion of gluten, even in small amounts, leads the body to develop an immune reaction against the small intestine itself, causing damage to its mucosa ( APC Definition – Portuguese Association of Celiacs ).

In statistical terms it affects about 1% of the world population, being more prevalent in Northern Europe (1-5%) and Sahara African populations (5-6%). 

The symptoms of celiac disease are usually severe: diarrhea, abdominal pain, steatorrhea, growth retardation, or weight loss due to the associated malabsorption of nutrients. On prolonged exposure to this allergen, the high state of inflammation can also cause symptoms such as fatigue, hair loss, anemia, dermatitis, depression, neurological problems and infertility.

Eliminating gluten from the diet allows the intestine to completely regenerate from the injury and the body to recover. However, if gluten is reintroduced, inflammation returns and symptoms reappear. So it’s a diet for life.

2. Alergia ao Trigo

É uma reação alérgica típica, como a alergia ao pó, mediada pela Imunoglobulina E (IgE) às proteínas encontradas no trigo e noutros cereais, como o centeio e a cevada. Um espectro de diferentes proteínas estão envolvidas nesta reação (não só o glúten) como gliadinas, gluteninas, serpinas, tioredoxina, aglutinina e as inibidoras da amilase-tripsina. 

A reação depende da rota de exposição, que pode ser através da pele, gastrointestinal e respiratória.  Assim as manifestações mais comuns são asma ocupacional, rinite, anafilaxia exercício-induzida trigo-dependente e urticária de contato.

A prevalência global é de aproximadamente 4%, sendo mais prevalente em crianças (2-9%) do que em adultos (1-2%). Nas crianças, a alergia ao trigo é normalmente vista em combinação com dermatites atópicas suaves a moderadas. Nos adultos, a forma mais comum manifesta-se após a prática de exercício físico e à exposição a um cereal. Já os sintomas gastrointestinais são leves e difusos, normalmente expressos como uma diarreia e/ou inchaço abdominal.

3. Sensibilidade ao glúten não-celíaca (NCGS)

A NCGS é tradicionalmente definida como um síndrome (conjunto de sintomas) caracterizado por sintomas intestinais e extra-intestinais decorrentes da ingestão de alimentos com glúten, em indivíduos não-celíacos. A sua prevalência a nível mundial é inferior a 1%.

 Porém, a nível académico tem decorrido um intenso debate acerca deste tema! E porquê?

Os cereais e os grãos contêm outras proteínas não associadas ao glúten que causam digestão incompleta dos seus nutrientes, agressão da mucosa intestinal e assim sintomas semelhantes ao glúten: inchaço, flatulência, alteração do trânsito intestinal, dor… Estes casos são óbvios quando se retira o glúten da dieta e o paciente mantém os sintomas quando come um farináceo. 

Na figura seguinte enumeram-se alguns fatores “anti-nutricionais” que tornam os cereais difíceis de digerir:

Assim, há uma forte suspeita de que os sintomas deste síndrome se associam à exposição a diversos alergénios contidos nos cereais e não somente ao glúten, ou não mesmo ao glúten! São exemplos os FODMAP’s, hidratos de carbono fermentáveis presentes num largo espectro de alimentos como cebola, alho, couves, milho, cogumelos, laticínios, maçãs, cerejas, grão, feijão, pastilhas elásticas, etc.

Portanto, é a exposição a vários elementos da dieta em simultâneo (agridem o intestino e estimulam o sistema imunitário) que causa os sintomas. É mais comum em indivíduos susceptíveis, como nas doenças inflamatórias do intestino (colite e síndrome do intestino irritável).

Tanto que alguns autores propõem a alteração desta designação para “Sensibilidade ao trigo não-celíaca” e não ao glúten! 

Em termos de intervenção nutricional estes casos são óbvios:

Ao reduzir-se a exposição aos cereais há, naturalmente, uma melhoria dos sintomas, o que leva o paciente a considerar-se “intolerante ao glúten”, não o sendo! Basta reduzir o consumo de farináceos no geral (com e sem glúten), os FODMAP’s e privilegiar alimentos naturais, sem aditivos para haver uma anulação total dos sintomas (inchaço, flatulência, obstipação, irritabilidade, hemorroidal, dificuldade em emagrecer, etc). 

Sabe-se ainda que muitos dos sintomas associados ao consumo de trigo ou cereais deriva, na realidade, da FARINHA industrial! Nomeadamente pelo seu elevado conteúdo em aditivos alimentares (como os conservantes fosfatos!) e pela presença de fermento químico. Quando se usa farinha e fermentos biológicos todos os sintomas de intolerância desaparecem!

É também de referir que existem outros alimentos totalmente isentos de glúten que contêm fatores “anti-nutricionais” causadores de sintomas que se confundem com a sensibilidade ao glúten. São exemplos as leguminosas (grão, feijão, ervilha, lentilha, fava, soja, tremoço…) que contêm fitatos, proteínas inibidoras da amilase-tripsina e lectinas. Também as sementes alimentares e as oleaginosas contêm estes componentes de difícil digestão! A melhor forma de reduzir o seu impacto será triturar e demolhar no caso das sementes e demolhar-germinar-confecionar a alta temperatura no caso das leguminosas e oleaginosas! 

Ainda assim estas estratégias não são eficazes para o glúten, muito resistente a processos mecânicos e a temperatura alta.

Há MUITAS razões para sentir desconforto abdominal!

O menos provável é que seja alérgico ou intolerante ao Glúten! Mas sim que reaja a fatores anti-nutricionais dos cereais, da sua dieta e estilo de vida! Há que mudar os seus hábitos alimentares como um todo, em vez de passar a comer produtos altamente processados mas "sem-glúten"

Pão Saudável

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Em conclusão

Somos o que comemos e disso temos consequências.

Para saber se é celíaco ou alérgico ao trigo deve procurar um médico e fazer análises ao sangue (não um teste de intolerância alimentar!).

Se os testes forem negativos e mesmo assim tiver sintomas quando come um produto alimentar com cereais, então deve procurar um nutricionista. Juntos irão perceber que alimentos lhe causam intolerância, adequando a sua alimentação e promovendo a sua saúde, evitando restrições desnecessárias e défices nutricionais.

Pense bem: Será que é um dos 5% da população que tem uma destas 3 condições associadas ao glúten? Pode ser! Mas o mais provável é que não seja e apenas esteja convencido disso porque apresenta alguns sintomas inespecíficos e "sofre" a pressão da indústria dos "sem-glúten". Esta gera milhões, prometendo benefícios para a saúde que nenhum estudo comprova, a não ser para doentes celíacos.

Mais! Se ainda assim o fizer, além dos riscos nutricionais já enumerados neste artigo, ficará refém de uma dieta restritiva, difícil de cumprir socialmente e muito cara.

Não vale a pena esse sacrifício, pois o seu corpo beneficia sim de uma adequação das proporções de nutrientes (menos hidratos de carbono e de melhor qualidade), mais alimentos naturais (sem E's), mais descanso e menos stress!

A "demonização" de alimentos é hoje muito comum, na maioria dos casos por ignorância ou por razões económicas! Não seja mais um a cair nesta rede, consulte um nutricionista.