“…tristes com a Nutrição”

Caro leitor: Hoje temos um artigo em tom de desabafo, MAS! com vontade de MUDAR!

Por que razão o Diário de uma Dietista está “triste com a Nutrição”?

De uma forma geral, começamos por dizer que estamos tristes porque a evidência científica continua a ser levada ao extremo: adaptada segundo o “negócio” que se quer promover, como um meio para atingir um fim.

O atual estado das Ciências da Nutrição

Enquanto nutricionistas não nos revemos no atual estado da nutrição. 

Se formos “à rua” questionar qual a primeira palavra que lhe ocorre relacionada com nutrição, de certeza que ouviremos:

  • Emagrecer
  • Perder peso
  • Dieta
  • Suplementos
  • Receitas
  • Saladas
  • Restrição
  • Sumos detox (mais recentemente) 

Tudo conceitos muito distantes do verdadeiro conceito das Ciências da Nutrição. Aliás todas associadas a uma vertente estética/ fútil/ consumista e até de sofrimento auto-infligido, promovido nos últimos anos pela necessidade de ter uma imagem X!

De facto, as Ciências da Nutrição estão associadas ao conceito de Dietética, que é a área que aplica a primeira ao tratamento da doença e promoção da saúde.

Dietética???

Mas isso não é “passar” uma dieta de emagrecimento????

Por sua vez, a Dietética associa-se atualmente ao conceito redutor de “dieta de emagrecimento”, ou seja, a intervenções nutricionais adaptadas de correntes científicas que levam a definições de conceitos (ou preconceitos!), diria mesmo mitos e medos, como: A banana e a cenoura engordam 🙁

Nutrição & Promoção da saúde

No mundo ideal a Nutrição era valorizada como um dos pilares da educação, sendo enquadrada nos currículos escolares desde cedo, com vista à promoção da saúde. Assim se iriam poupar muitas vidas, muito dinheiro aos estados e se iria aumentar a qualidade de vida de muitas pessoas que vivem com doenças crónicas causadas pelo estilo de vida desadequado. 

Contudo, os dados que temos atualmente não são tão positivos:

Infelizmente, uma das principais armas a favor da promoção da saúde e prevenção da doença – a educação nutricional – tem sido desperdiçada, atribuída apenas a tratamentos de emagrecimento, já que quase não existe no serviço nacional de saúde (SNS). A presença de nutricionistas em meio hospitalar é uma realidade para os doentes internados, adaptando as dietas enquanto em internamento. Depois, o seguimento torna-se difícil em ambulatório, decorrendo meses entre consultas. Certamente será muito difícil fazer um trabalho de mudança de hábitos e motivação nestes tempos. Já em centro de saúde, onde de facto deveriam existir mais nutricionistas, há uma triste realidade… de vez em quando lá abre uma vaga… Se há poucos médicos de família, nutricionistas são mesmo uma raridade:

Ordem elogia abertura de concurso para 40 nutricionistas mas pede reforço (artigo)

Conheça os “números” neste artigo – 100 nutricionistas em centro de saúde e 400 para todo o SNS.

Já em ambiente comunitário – Municípios – integrados em escolas, lares de idosos e noutros projetos de educação alimentar – os nutricionistas são ainda mais escassos. Segundo comunicado da Ordem dos Nutricionistas «Em 308 autarquias, apenas 12% têm nutricionista. Estes números são preocupantes».

Atuação da Dietética & Nutrição

Como já foi dito: Atualmente a Nutrição parece ser sinónimo de estética e “dieta” de emagrecimento. Contudo, tendo como base a célebre frase de Hipócrates, filósofo grego “pai da Medicina” –  «Somos o que comemos» – a intervenção nutricional atua nos processos celulares mais básicos do nosso organismo, sendo capaz de os inibir, modular e estimular. Deste modo, é fácil perceber que a Nutrição tem um papel essencial no que toca à prevenção e ao tratamento de variadíssimas condições e patologias. São exemplos:

 

Potenciais consequências de uma alimentação (des)equilibrada

Assim, mesmo quando um paciente vem à consulta com intuito de emagrecer, ao intervir na sua nutrição, sabemos que estamos a interagir com todos estes fatores/ riscos de saúde. Estamos pois a intervir no indivíduo como um todo (física, psíquica e emocionalmente) e não apenas no que o “trouxe à consulta”.

Por aqui, já se consegue perceber por que razão a personalização da intervenção nutricional é fundamental. Intervenções nutricionais, vulgo “dietas”, que se baseiam em pequenas adaptações de um padrão/ conjunto de “regras” já definido, com certeza terão diferentes outcomes! São exemplos, as dietas hipoglicídas (com restrição de hidratos de carbono), muito difundidas no nosso país. Se para um indivíduo com resistência à insulina/ obeso/ sedentário podem ser eficazes e recomendadas por um curto espaço de tempo; para outro com alterações do padrão de comportamento alimentar (tendência compulsiva)/ obstipação crónica/ com doença inflamatória do intestino/ com hipotiroidismo, entre outras condições, podem ser intervenções com pouca eficácia ou mesmo contra-indicadas! Há que personalizar e ter como base os princípios da nutrição funcional:

Nutrição Funcional

«É considerada por muitos como a Nutrição do séc. XXIA nutrição funcional não se limita à prescrição de dietas de alimentos tidos como saudáveis e ao controlo do aporte de calorias, mas reconhece que os alimentos e os nutrientes são capazes de modular inúmeras funções organicas, comunicação hormonal e expressão genética. É personalizada, preventiva e desempenha um papel fundamental no tratamento de doenças.»

Não confundir com “alimentos funcionais”:

Os alimentos funcionais devem apresentar propriedades benéficas para a saúde, além das nutricionais básicas, sendo apresentados na forma de alimentos comuns. São consumidos em dietas convencionais, mas demonstram capacidade de regular funções corporais, prevenindo a doença. Ou seja, são todos os alimentos ou bebidas que, consumidos na alimentação quotidiana, podem trazer benefícios fisiológicos específicos, graças à presença de ingredientes saudáveis.

Contudo, um alimento com uma propriedade funcional pode ser perigoso num doente, já que se trata de um conjunto de substâncias e não apenas “da funcional” isolada!  São exemplos: o chá verde, rico em catequinas antioxidantes, mas um potencial hipertensor! Mas também os peixes gordos, ricos em ómega-3 reconhecidos anti-inflamatórios, que podem interagir com determinados medicamentos quando em excesso, como os anticoagulantes. Naturalmente, quando se ouve dizer que “um alimento é bom para…” temos tendência a consumi-lo mais… porém, nada em excesso é benéfico (nem a água)! Deste princípio deriva um dos conceitos mais importantes da nutrição: a diversificação.

Sugerimos a leitura do artigo:

Diversificar é essencial!

Assim, podemos dizer que uma intervenção nutricional só será benéfica se cumprir estas 3 condições:

  1. Personalizada – com base no seu histórico de saúde, dietético e social.
  2. Evolutiva – deve mudar de acordo com o seu feedback ao tratamento, de acordo com indicadores físicos, analíticos e psicológicos.
  3. Focada no estilo de vida – deve ter como objetivo alterar o comportamento, por forma a obter novos hábitos que se mantenham a longo prazo, integrando-se num estilo de vida mais saudável como um todo, dentro da individualidade de cada um. De nada lhe vale mudar temporariamente. 

Poderíamos ainda acrescentar um 4º ponto: Sem interesse comercial – caso a intervenção necessite de serviços “extra” para complementar/ garantir os “resultados esperados”, especialmente se se tratarem de medicamentos/ suplementos com vista ao emagrecimento.  No entanto, este ponto não é condição essencial, apenas não deve ser tido como “uma obrigação”, pois a intervenção nutricional deve valer Per Si, não dependendo de “ajudas” temporárias. 

Sugerimos a leitura do artigo:

Eficácia da Suplementação Alimentar

Atenção: não confundir com a necessidade de um suplemento para correção de um desequilíbrio nutricional, detetado em análises clínicas ou por uma doença instalada.

Temos como exemplos:

  • A correção dos níveis de ferro, ácido fólico e B12 em certos tipos de anemia;
  • a suplementação de imuno-nutrientes em doenças autoimunes, como curcumina, vitamina-D, zinco, selénio e ómega-3;
  • também em desportistas, idosos e na gravidez a suplementação nutricional é essencial.

Entre muitos outros casos, sempre vigiados por médico e nutricionista através de análises clínicas e em simultâneo com a intervenção nutricional.

Não se pretende transmitir a ideia de que a nutrição é a única intervenção possível! Muito pelo contrário, ela deve ser integrada num conjunto de outras, que melhorem a saúde como um todo, seja através da intervenção médica, de um psicólogo, fisioterapeuta, massagista ou treinador!

Queremos apenas transmitir que quando se “oferecem” as consultas de nutrição para que depois seja impelido a adquirir outros serviços, há que estar atento ao verdadeiro intuito da intervenção.

Em conclusão…

O artigo já vai longo e achamos ter ficado explícito por que razão estamos tristes com o atual “estado da Nutrição”. Estamos tristes, mas com esperança e vontade de MUDAR a forma como considera esta área tão importante da saúde. Trabalhamos todos os dias para isso e vamos continuar a dar o nosso melhor!

Terminamos afirmando:

Nutrição é Saúde, não Estética!