A moda da Proteína

Caro leitor:

Hoje fazemos um artigo em jeito de comentário a uma recente publicação do DN LIFE de título

Começamos por dizer que no global estamos de acordo com as opiniões englobadas neste artigo.

Apesar de muito alarmista, também concordamos com o titulo, ou seja, parece haver de facto uma perceção generalizada de que”comer proteína é bom” e, em oposição, comer “hidratos decarbono e gordura” é mau. Esta tendência parece vir das “velhinhas” dietas pobres em hidratos de carbono (logo hiperproteicas) e, do mais recente, BOOM do crossfit e modalidades semelhantes.

As nossas interrogações estão no desenvolvimento do artigo…em que não concordamos ou achamos que alguns pontos carecem de mais desenvolvimento. Vamos à sua análise:

1º argumento: Estamos a ultrapassar as recomendações de ingestão diária de proteína – “Se as pessoas ingerem proteína suficiente no dia-a-dia, cocktails proteicos apenas vão sobrecarregar.”

Sobrecarregar o quê? O que significa sobrecarregar?

Sim, é certo que existem recomendações de ingestão diária de proteína (g/kg peso magro) para população saudável, doentes e desportistas. Esta recomendação deve ser adaptada à idade/género/ estado de saúde e prática de atividade física. Mas, em indivíduos saudáveis, ultrapassar esta recomendação não consiste um perigo para a saúde.

Em termos bioquímicos, o nosso corpo metaboliza a proteína em excesso, transformando-a noutras substâncias! É verdade, proteína “a mais” resulta em aumento da gordura, açúcar e ureia (e não massa muscular!). Portanto, esqueça a relação direta proteína > emagrecimento!

+ proteína + músculo + gasto energético + emagrecimento = FAKE

 2º argumento: O consumo excessivo de proteína causa doença: “cocktails proteicos apenas vão sobrecarregar os rins”    

 O estudo citado no artigo associa o consumo de proteína ao risco aumentado de insuficiência cardíaca em homens finlandeses. Primeiro, um estudo retrospetivo/observacional não prova absolutamente nada. Neste tipo de estudos pergunta-se através de questionários de frequência alimentar “quão habitualmente comeu o alimento no último X tempo?” e que doenças tem. Portanto estes homens não comeram “mais proteína”, eles tiveram um conjunto de hábitos alimentares que os levou a desenvolver a doença: como ingerirem mais carne vermelha (proteína animal+ gordura saturada), menos legumes e vegetais, mais refrigerantes, menos peixes, etc! Portanto, não tiveram a doença pelo excesso de proteína, mas sim pelo conjunto dos seus hábitos.

Se por sua vez procurarmos meta-análises e revisões recentes sobre o consumo de proteína veremos que o que está relacionado com mortalidade geral, diversos cancros e doença cardiovascular são as carnes processadas (ex. fumados) e embutidos, ricos em nitritos. Foi por esta razão que a IARC os considerou no Grupo 1 – carcinogénicos para humanos, recomendando a evicção do seu consumo. Também o modo de processamento da carne é de valorizar, já que quando queimada (ex. churrasco), a proteína forma aminas heterocíclicas, também relacionadas com cancro do tubo digestivo. Portanto, o que está em causa é o processamento do alimento e não o consumo de proteína enquanto macronutriente.

 Descrevemos as conclusões de dois estudos de revisão:

  • Associação entre consumo de proteína, cancro e doença cardiovascular (DCV)

EurJ Epidemiol. 2019 Jan 23 – Red meat, processed meat, and other dietary protein sources and risk of overall and cause-specific mortality in The Netherlands Cohort Study.

  • O nitrito foi significativamente associado à mortalidade geral, doença cardiovascular (DCV) e respiratória. A ingestão de aves foi inversamente corelacionada ao cancro e à mortalidade geral. A substituição de carne processada por uma combinação de aves, ovos, peixe, leguminosas, nozes e laticínios com baixo teor de gordura foi associada a menores riscos de mortalidade geral, cardiovascular e respiratória. A carne processada foi relacionada ao aumento da mortalidade geral, DCV e respiratória, potencialmente devido ao nitrito. A substituição de carne processada por outras fontes de proteína foi associada a menor risco de mortalidade. [

  • Associação entre consumo de proteína e doença renal

Nutrients. 2019Jan 18;11(1). Dietary Protein, Kidney Function and Mortality: Review of the Evidence from Epidemiological Studies.

  • No global, as evidências epidemiológicas sugerem que, em pacientes com função renal reduzida, a ingestão proteica de ± 0,8 g/kg de peso ideal poderia limitar o declínio da função renal sem acrescentar riscos não-renais.Por sua vez, uma baixa ingestão de proteína a longo prazo pode aumentar a mortalidade. Uma associação da ingestão de proteína com declínio da função renal a longo prazo estava ausente na população geral e/ou em pessoas com função renal normal.  
 

3º argumento: Produtos enriquecidos em proteína são perigosos – “não existe nenhuma vantagem nos produtos vendidos de forma irregular nos ginásios, que poderão ter substâncias ocultas, estimulantes”  

… Hum… ahhh…pois. “Produtos vendidos de forma irregular em ginásios”? Parece tudo muito obscuro 😉 Ginásios, esses sítios onde acontecem coisas perigosas…Substâncias ocultas, estimulantes? BEM! Sendo que a maioria das marcas que vende em Portugal quer mesmo VENDER, dificilmente terão essas substâncias ilícitas…Aliás, as principais têm selos de qualidade e certificações de entidades independentes que atestam que o que está no rótulo é mesmo o conteúdo. Quanto muito, algumas marcas que não invistam nestas certificações e análises podem ter um pouco mais de “farinha” do que seria suposto, serão essas as “ocultas”??

 O PROBLEMA da “MODA” da PROTEÍNA  

A questão não está no nutriente em si, mas no alimento/produto em que está englobado.

As proteínas não andam sozinhas na natureza, como a maioria dos outros nutrientes… eles combinam-se para formar alimentos e são esses que deveríamos comer de uma forma equilibrada.

O problema começa quando pensamos – nós, humanos – “muito bem” ou “muito mal” de um determinado nutriente, sendo que começamos a restringi-lo (e assim substitui-lo por outro, porque não vivemos do ar) ou a suplementá-lo. É o caso atual da proteína. Um bom exemplo são os iogurtes skyr, enriquecidos em caseína, grande moda! Mas também dos alimentos hiperproteicos comercializados para emagrecimento ou desportistas como batidos, sopas, waffles, cereais, pães, queques, bolachas, barras…só a água ainda não tem proteína. AINDA!

Qual o problema destes produtos? É que eles não são alimentos! São produtos! Altamente processados e industrializados, ricos em E’s (aditivos alimentares) como os famosos adoçantes, mas também ricos em gorduras “más” e até açúcar! Portanto, ter proteína não é sinónimo de saudável, assim como “baixo em calorias”, “sem açúcar”, “artesanal”, “rico em fibras” não o é!

Há que estar atento e manter o sentido crítico. Temos de comer ALIMENTOS que venham da terra ou que tenham mãe. Se assim for, em termos de saúde, se os balancearmos mal o mais “grave” que nos acontece é formar alguma gordura!

Mas se insistirmos em comer estes PRODUTOS, proteicos ou não, mas sobretudo processados, vamos com certeza ficar doentes mais tarde ou mais cedo. Disbiose, inflamação, esteatose hepática, estimulação da auto-imunidade, intolerâncias alimentares são os primeiros a aparecer… Será legítimo perguntar-se porquê? Se até só come alimentos proteicos!? Afinal não eram bons? Não emagrecem e fazem músculo??

Podemos ainda falar sobre a qualidade destas proteínas “adicionadas”: as mais usadas são proteína de soja e caseína. Ambas potencialmente alergénias e estimuladoras da auto-imunidade e inflamação.

A magnitude destas reações irá depender sobretudo da Flora Intestinal. Caso exista disbiose (predomínio de sepas produtores de aminas bioativas), SIBO (sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado), toma continuada de inibidores da bomba de protões (comprometimento da digestão proteica), doença inflamatória do intestino ou outras formas de agressão continuada, então é mais provável que o excesso de proteína na dieta seja prejudicial à saúde.

 Em conclusão  

Estamos de acordo com o artigo publicado: devemos comer comida, em doses equilibradas, o menos processada possível. Sempre que seja necessária uma suplementação em proteína deve ser aconselhada por um nutricionista, por forma a calcular ingestão versus a necessidade, quando e que proteína irá suplementar e monitorizar o efeito desta na sua saúde, performance e bem-estar.

Quanto aos produtos “proteicos” (sopas, waffles, pães, barras, iogurtes) não são desaconselhados, mas devem ser introduzidos pontualmente no plano alimentar e nunca como substitutos de alimentos menos processados no dia-a-dia!