Determinantes do comportamento alimentar (2)
Como está caro leitor? Leu a 1ª parte desta publicação?
Parte 1 –Determinantes do comportamento alimentar (parte 1)
Parte 3 – Determinantes do comportamento alimentar (parte 3)
Pois bem, esta é a sua continuação. Depois de termos falado sobre fatores genéticos e ambientais, como determinantes do peso e, em especial, da massa gorda, abordam-se agora, detalhadamente, os fatores psicológicos e comportamentais: «O comportamento alimentar é essencial para o controlo da nossa composição corporal. Não podendo alterar a predisposição genética, nem os fatores ambientais/ sócio-económicos, (…) a componente psicológica e emocional da alimentação pode, por si só, contrariar a tendência genética e ambiental para a obesidade.»
Normalmente, os esforços para prevenir ou tratar o ganho de peso e obesidade requerem algum grau de controlo sobre as escolhas alimentares, exigindo decisões sobre “se” e “quanto” comer. A importância destes fatores tem sido reconhecida ao longo da história dos “estudos sobre escolha e ingestão alimentares”, bem como da sua relação com o controlo do peso corporal, envolvendo desde a neurobiologia até à psicologia clínica.
– A escolha de alimentos:
(1) Gosto
Os seres humanos têm um intervalo relativamente estreito de gostos “não aprendidos” (respostas hedónicas que são biologicamente predestinadas, sendo claramente independentes de qualquer exposição anterior), a mais evidente de todas é a predilecção inata pelo sabor doce.
Ao longo da vida, o ambiente sócio-económico e cultural em que nos inserimos determina, em grande parte, as oportunidades e os contextos para determinadas experiências sensoriais. Por outras palavras, estes determinam quais os alimentos que serão experimentados, bem como a frequência e as condições em que irão ser experimentados. Isto pode explicar tanto as diferenças como as semelhanças entre culturas. De facto, extensas pesquisas animais e evidências crescentes em humanos apoiam a visão de que: o nosso gosto
por combinações específicas de atributos sensoriais em alimentos é, principalmente, adquirido como resultado da sua combinação com outros estímulos ou eventos positivos ou negativos (associação condicionada).
(2) Adequação e ocasiões situacionais
A variação dos gostos alimentares inatos (respostas hedónicas) não é suficiente para explicar a maior parte da variação observada nas escolhas alimentares. É importante reconhecer que “gostar” não é o
mesmo que “querer” ou “desejar”. A diferença entre o desejo e o prazer de comer pode ser observado a nível comportamental e neurofisiológico. Portanto, numa dada situação, o desejo ou motivação para comer um alimento (incentivo motivacional) pode distinguir-se do seu valor hedónico (gosto inato). Isto é, o impulso ou desejo de comer, pode ser distinto do prazer de comer. Quer o desejo, quer o gosto podem ser fortemente influenciados pela adequação à situação, ou seja, se um alimento corresponde ao contexto. Imagine que está em casa dos seus sogros, o almoço é o alimento X que vocês não gosta. Porém nessa situação fará o possível para se adequar e alterar o seu gosto inato.
(3) Estado psicológico (interno ou externo)
Para além do gosto ou desejo por alimentos, o nosso estado psicofisiológico atual pode despoletar um
desejo por alimentos específicos. Um exemplo claro é a sede. Mas este pode também incluir sentimentos mais subtis, tais como o desejo de café ou chocolate, solicitado pelo estado de humor ou pela fome. Neste caso, o consumo de alimentos específicos pode dar-se para alterar um “estado de carência”, podendo também agir como reforço do desenvolvimento de novos gostos alimentares.
– Hedonismo, escolhas alimentares e obesidade
Grande parte da literatura centra-se na escolha de alimentos a partir de respostas oro-sensorais, aparentemente assumindo uma determinada cadeia de acontecimentos:
Com base nisso, muitos estudos têm hipotetizado se uma predisposição “a excessos” pode estar relacionada com a percepção ou resposta inata às qualidades específicas do alimento. Em particular, têm-se focado na perceção do sabor doce, presumindo que a obesidade pode ter na sua génese uma maior preferência inata por este sabor e, por conseguinte, um maior consumo de alimentos açucarados. No entanto, esta tem recebido pouco suporte empírico ou teórico.
Outros estudos mais recentes sobre percepção sensorial e escolhas alimentares, têm-se focado na gordura. Estes suportam a possibilidade de que esta é uma característica que precede ou predispõe à obesidade, em vez de ser um resultado dessa condição.
– Gosto ou desejo?
Os testes ao gosto sensorial, a avaliação de listas de alimentos e os registos alimentares podem não ter sensibilidade suficiente ou serem influenciados por cognições, para determinar diferenças fundamentais subjacentes ao gosto dos alimentos. Além disso, é frequente confundir-se gosto com desejo de comer. Contudo, são várias as evidências que salientam a relevância da diferença entre o gosto e o desejo. Por exemplo, ao comparar-se o valor de reforços “alimentares e não alimentares” em mulheres obesas e não obesas, verificou-se que, embora ambos os grupos atribuíssem classificações hedónicas semelhantes às recompensas, o reforço “com alimentos” teve muito mais valor para as obesas (mais vontade de desempenhar uma tarefa/trabalho num computador). Isto reforça a ideia de que a obesidade se relaciona com o aumento da vontade de trabalhar, quando existem recompensas alimentares. É comum observar-se estas situações em vários tipos de emprego, por exemplo, quando a empresa disponibiliza um “lanche da manhã” para os seus trabalhadores, a fim de obter destes mais “rendimento”.
A distinção entre o gosto inato e o valor motivacional ou incentivo para a alimentação constitui uma mais-valia quer na teoria quer na prática. Conhecer os mecanismos fisiológicos que geram comportamentos pode ser determinante para o tratamento do excesso de peso, tanto a nível de apoio psicológico, tratamento nutricional e farmacológico.