“Detox” Mito ou Facto?

A tendência “detox” tem persistido ao longo dos últimos anos. Seja com um intuito funcional ou para emagrecer, será que tem vantagem em relação aos alimentos inteiros? 

Perspectiva nutricional

   Em termos nutricionais há muito que se sabe que não é indiferente fazer os alimentos inteiros, cozinhados ou triturados. De facto quer a acção mecânica do corte quer a exposição à luz e mesmo a mudança de pH induzem perdas nutricionais importantes, nomeadamente nas vitaminas e minerais oxidáveis, como é o caso da vitamina C, b-caroteno e tiamina (B1).

   Por exemplo, uma das vitaminas mais aclamadas dos sumos “detox”, a vitamina C, tem perdas muitos significativas durante a preparação e deve ser consumida de imediato. A vitamina C é muito instável e facilmente se degrada em presença da luz.

   Este assunto ainda não é muito valorizado para os “batidos”. Contudo, há muito que se preconiza a cozedura a vapor para limitar as perdas induzidas pela calor.

  Eis uma lista de fatores que alteram o conteúdo em vitaminas e minerais nos sumos e batidos:

  1. Lâminas de metal: são potencialmente ionizantes, favorecendo a  oxidação das vitaminas e minerais.
  2. Velocidade da trituração: quanto mais rápido é o processo mecânico maior é o potencial de gerar calor e degradar os nutrientes.
  3. Mudança de pH: os batidos tendem a ser ácidos, contudo, pequenas mudanças no pH favorecem a oxidação vitamínica e mineral.
  4. Luz: a radiações da luz (solar) têm a capacidade de degradar algumas vitaminas, sendo a vitamina C uma das mais sensíveis.
  5. Ar: Depois de triturados os nutrientes ficam expostos ao ar. Também este tem a capacidade de degradar os nutrientes, por exemplo o ferro.
  6. Interação entre nutrientes: Quanto maior a mistura, maior o potencial efeito de interação entre nutrientes. É o caso das ligações entre oxalatos e cálcio ou ferro, entre fibras e esteróis vegetais, entre zinco e ácido fólico ou cobre e também a competição pelos recetores intestinais entre o cálcio e o ferro. Portanto, as misturas de nutrientes comprometem a sua biodisponibilidade.

  Posto isto, penso que será perceptível que quando está a fazer um batido, este pode não ser aquele “cocktail” de vitaminas e minerais que precisa e deseja.

Perspectiva da Regulação do Apetite

Analisada a perspetiva nutricional é essencial conhecer-se a importância funcional da mastigação. Será diferente comer uma salada de vegetais ou ingeri-los num batido? A resposta é SIM. Faz toda a diferença.
a09fig02
 
A mastigação é um forte marcador de saciedade. Assim que se inicia o processo de mastigação e ensalivação são ativados uma série de “sinais” (hormonas) com diversas funções:
  • Estimulam a produção de sucos gástricos (digestão).
  • Preparam o pâncreas e a vesícula biliar para a chegada de alimentos.
  • Estimulam a produção de incretinas! Estas são hormonas que “avisam” o cérebro da “chegada de alimentos”, diminuindo a produção de hormonas do apetite (grelina e neuropeptido-Y) e aumentando a produção de hormonas da saciedade (leptina e insulina).

a09fig03

É por este motivo que se recomenda que os momentos de refeição sejam tranquilos, de preferência sentado, sem distrações, mastigando-se lentamente os alimentos.   
Estima-se que este “sinal” de saciedade demore cerca de 15 a 20 minutos a chegar ao cérebro, pelo que se comer muito rápido, tenderá a ingerir uma maior quantidade de alimentos. Quando o sinal “chegar ao cérebro” já será tarde, sentindo-se enfartado e possivelmente indisposto.
Em contraponto, os alimentos líquidos não precisam de mastigação, diminuindo o efeito “incretina”, ou seja, supressor do apetite. Sem mastigação, não há saciedade. Para além disso, põe-se outra questão…. a velocidade de absorção.
Quando o alimento está triturado, é como se estivesse pré-digerido! Ou seja, o gasto energético associado à sua digestão fica muito reduzido. Estima-se que este gasto calórico, designado por efeito térmico dos alimentos, represente cerca de 10% do dispêndio energético diário de um humano saudável. Por exemplo, se considerarmos uma necessidade energética diária de 2000kcal, este efeito gasta só por si cerca de 200kcal! O equivalente a 30minutos de caminhada acelerada! 
 
 Portanto, se passarmos a consumir alimentos líquidos ou excessivamente triturados estamos a diminuir bastante este gasto energético diário, contribuindo para o aumento do peso.
 a09fig01
  
     Mas existe mais uma questão: a velocidade de absorção dos componentes do batido. 
    Normalmente, usa-se nas receitas de batidos, uma ou mais porções de fruta. Não podemos esquecer que a fruta é rica em açúcar, estando este diluído em água, então, a sua velocidade de absorção dispara (índice glicémico). 
 Sem nome

Repare nesta imagem como o “pico” glicémico causado pela laranja inteira é mais baixo do que o do sumo de laranja ou do refrigerante de cola.    
   Resultado: Há um pico de açúcar no sangue, com uma rápida resposta insulínica e subsequente hipoglicémia. 
    Em termos práticos, como se absorve rapidamente o açúcar da fruta, ficar-se-á com fome rapidamente. Para além de que uma rápida absorção do açúcar promove a formação de gordura!
 
     Mais uma vez, os alimentos inteiros exigem um maior gasto energético na sua mastigação, digestão, absorção e metabolização, como ainda têm taxas de absorção mais lentas, contribuindo para o prolongar da saciedade e o retardar da fome.

Conclusão

 Assim sendo, tudo indica que, não só é mais saudável, como mais saciante ingerir as frutas e vegetais inteiros e não em batido.

Os humanos precisam diariamente de vários macro e micro nutrientes, em quantidades variadas. As necessidades diárias recomendadas nunca poderiam ser atingidas ingerindo apenas sumos. Portanto questiono de onde vem a noção de que estes “equilibram” e “desintoxicam” o organismo?

As atribuições “detox” ou “reequilíbrio” não têm qualquer fundamento científico (fonte). São as chamadas “Fad Diets” ou “Dietas da Moda”,  que  têm somente um propósito comercial.

Contudo, os batidos de vegetais e frutas podem ser bastante úteis e ter diversas aplicações nutricionais, por exemplo, como substitutos dos lacticínios para os intolerantes à lactose ou alérgicos à proteína do leite. Podem também ser perigosos para a saúde, por exemplo, em pessoas que tenham dificuldade de coagulação ou façam medicação anticoagulante (ex. varfarina), pelo seu elevado conteúdo em vitamina K.

Nada é inócuo, nem a água.